Fêmea de Culex quinquefasciatus sugando sobre a pele humana. Foto: Sandra Nagaki, SP

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Conversando sobre Dengue

Com as recentes epidemias de Dengue, recebi várias perguntas de pessoas com dúvidas sobre a doença. Publico aqui algumas respostas: 


1. Geralmente, a população é alertada para tomar cuidado com vasos e caixa d’água, mas pouco se fala da questão do lixo e do descarte irregular. Em qual medida o cuidado com o lixo é importante para prevenir a transmissão da doença?

R. As larvas do Aedes aegypti se desenvolvem em água limpa e parada, mantendo-se nessas condições por pelo menos sete dias. Por isso, há a necessidade de eliminação de todo e qualquer recipiente que acumule água, principalmente a que é acumulada após as chuvas de verão, porque nessa época tanto o clima como a temperatura da água é ideal para o desenvolvimento das fases imaturas do mosquito.Um fator importante na ecologia do Aedes é que os seus ovos não são aquáticos, podendo se conservar viáveis até 450 dias mesmo em locais secos, precisando da água apenas para eclodir e desenvolver as fases da larva até o adulto. Essa condição favorece a chamada ‘dispersão passiva’, onde os ovos ficam aderidos em pneus, recipientes a céu aberto e lixo em geral, sendo esses movidos de um lugar para outro. Esse movimento pode ser dentro da mesma cidade ou em cidades vizinhas pelo vai e vem diário no transporte de cargas, dos pneus dos caminhões, assim como durante as atividades de descarte, recolhimento, acondicionamento e destino do lixo. Para prevenir esse tipo de dispersão, esses materiais devem ser monitorados de acordo com as normas sanitárias vigentes para a coleta e destino adequado do lixo e também o controle sanitário de vetores dos veículos de transporte e cargas em geral.  

2. O poder público federal e nas cidades tem uma política efetiva para combate ao mosquito da dengue? Por quê?

R. Sim. Devido à complexidade dos fatores que favorecem a proliferação do vetor do vírus da dengue, assim como o caos gerado por epidemias de dengue na população, houve no passado e mesmo atualmente a preocupação em promover ações articuladas na busca por soluções, tanto no âmbito governamental quanto junto à sociedade. Isso gerou, ao longo de décadas, uma série de diretrizes e normas que visam orientar o planejamento das ações pelas esferas federais, estaduais e municipais no controle da dengue. Esses documentos incorporam aprendizados resultantes da vigilância, acompanhamento e assistência a pacientes com dengue, das ações de controle de vetores e da comunicação social. Por meio dessas diretrizes os governos se organizam de modo descentralizado e de acordo com a sua realidade local. A administração dessas ações é feita com maior ou menor eficiência nos diferentes estados e municípios, sendo muitas vezes negligenciada.  

3. Por que existem picos intercalados de dengue em uma mesma região?

R. Epidemiologicamente é natural que os picos mais altos de incidência para os ciclos da dengue sejam intercalados de três meses a cinco anos. Isso porque o primeiro contato com o vírus que causa a dengue desencadeia na vitima a imunidade para o mesmo sorotipo, sendo conhecidos quatro sorotipos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. A cada epidemia é introduzido e circula um ou mais novos sorotipos. Também os fatores preponderantes para o intervalo dos picos são a existência de população suscetível (que ainda não entrou em contato com aquele vírus), presença de vetor competente, alta densidade vetorial e ampla circulação do vírus. Ao fechar o ciclo, todos esses fatores desencadeiam a epidemia em uma determinada área. E para o controle da doença, deve-se quebrar uma ou mais etapas desse ciclo. 

4. Os bairros ou cidades próximos a uma área com epidemia de dengue também sofrem com o aumento de casos. É possível afirmar que há alguma relação entre os casos? As autoridades públicas, nesse caso, devem agir em conjunto? Por quê?

R. Sim, podemos afirmar que há relação. Além do principal fator que é o vai e vem das pessoas para o trabalho ou compras, estando muitas delas com dengue, um agravante para a expansão da doença rumo às áreas vizinhas está na ecologia do mosquito Aedes aegypti. Pois o número de mosquitos infectados com o vírus pode ser muito maior do que o número de mosquitos que já picaram as pessoas doentes. Isto acontece por causa da chamada ‘transmissão transovariana’, em que a fêmea contaminada transmite o vírus da dengue para os ovos antes da postura, fazendo com que um percentual variável de descendentes já venham ao mundo infectado. E, devido ao movimento de dispersão passiva dos ovos, esses mosquitos eclodem para a fase adulta já infectados, atingindo assim novas áreas. Deve-se considerar também a dispersão passiva dos adultos, os quais entram em ônibus ou mesmo nas roupas das pessoas, locomovendo-se para as áreas vizinhas onde os picos de incidência para a doença estão até então sob controle.As autoridades devem agir em concordância, seguindo corretamente e de modo eficaz as normas e diretrizes governamentais já existentes, a fim de manter os índices epidemiológicos numa linha de controle, sem gerar discrepâncias e a expansão destes para as regiões circunvizinhas. 

5. E nas galerias de drenagem, passagem de cabos e esgotos, não tem enormes quantidades de água parada, umidade e tudo o que os mosquitos gostam para se desenvolver? Tem algum tipo de proteção instalado que você conheça?

R. Eu entendo que se forem seguidas corretamente as normas sanitárias para redes de esgoto, abastecimento, coleta e acondicionamento de lixo, os problemas ficam bastante reduzidos e sob controle. Quando trata-se de baixadas, áreas de ocupação irregular e ou regiões muito povoadas os problemas aumentam. Não só para a criação de mosquitos como TODOS os tipos de pragas Em áreas de infestação acentuada, é aconselhável a realização, pelo poder publico, de obras de infraestrutura sanitária em conjunto e de todas as ordens. Essa ação é emergencial e é baseada sobre o MIP. Manejo Integrado de Pragas.

6. Como se impede de mosquitos procriarem, por exemplo, dentro dos bueiros. Será que lá não acumula água em quantidade (e tempo) suficientes para o desenvolvimento de ovos e larvas? Tava pensando nos bueiros da prefeitura, com galerias pluviais. Ou será que existe alguma medida (de projeto) que os previna? Se os bueiros tivessem alguma "telinha", com certeza, entupiriam muito rápido, devido ao lixo levado com as águas. Daí surge a dúvida: colocar algum larvicida biodegradável nos bueiros ou armadilha de postura não pode vir a ser uma solução?

R. Teoricamente, sabe-se que o Aedes não possui tendência a se desenvolver em bueiros, pois a água tem fluxo e é muito suja para esta espécie de mosquito. Se há falhas estruturais, ou seja, se estão fora das normas sanitárias, as áreas laterais que ficam alagadas poderiam criar Culex, que respira na superficie da água. O Aedes é mais de se alimentar e respirar no fundo, sendo dificil para ele viver em buracos de bueiro com água parada quando esta é muito suja. Tecnicamente, os bueiros têm vazão pra água da chuva correr, e quando pára a chuva, eles devem escoar e ficar vazios. Quando são a céu aberto, é um problema, então tem que fazer obras de escoamento da água, aplicando inseticidas para adultos a cada 7 dias nas bocas e laterais. O inseticida deve ser bem forte e potente, e não aquelas misturas com efeito residual de espantar, como os à base de cipermetrina. Já o larvicida costuma não ter um bom efeito em águas muito sujas. Porém, aconselha-se o seu uso em casos emergenciais.

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